ATA DA AUDIÊNCIA PÚBLICA REALIZADA PARA DEBATER A QUESTÃO PROPOSTA NO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVA (IRDR Nº. 7 – PROCESSO 9002095-91.2024.8.23.0000) SOBRE A POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA EM AÇÕES DE SUPERENDIVIDAMENTO ANTES DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO (Edital de Convocação publicado no DJE 7852, p. 14/32, de 7.5.2025). Aos seis dias do mês de junho do ano de dois mil e vinte e cinco (6/6/2025), às 9h10, na Sala de Sessões do Tribunal de Justiça de Roraima, sob a presidência do Juiz de Direito RODRIGO BEZERRA DELGADO, participaram da presente audiência os advogados Leonardo de Medeiros Garcia, representando o Instituto Defesa Coletiva (por vídeo), Amélia Soares da Rocha (DPE-CE), representando a Brasilcon - Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (por vídeo), Gabriela Fialho Duarte, representando o Banco Master S/A (presencial), Adisson Taveira Rocha Leal, representando a FEBRABAN - Federação Brasileira de Bancos (presencial), Larissa de Oliveira Andrade, representando o Banco Daycoval - Escritório Tortoro, Madureira e Ragazzi (por vídeo), Wagner Silva dos Santos, representando a Defensoria Pública do Estado de Roraima (presencial) e Waldecir Caldas (presencial), que apesar de não inscrito, teve a palavra franqueada para que pudesse ampliar cada vez mais os debates. Aberta a audiência, iniciou-se com a confirmação das presenças e a forma de participação das apresentações seguiu a ordem de requerimento, nos termos do Edital de divulgação das inscrições deferidas, publicado no DJE 7872, de 4.6.2025, começando pelo Dr. Leonardo de Medeiros Garcia. Histórico e Propósito da Lei de Superendividamento: O Dr. Leonardo de Medeiros Garcia parabenizou o TJRR por debater o superendividamento, tema relevante para todo o Brasil. Ele compartilhou sua experiência na elaboração da lei, mencionando que a ideia inicial da comissão de juristas era uma fase judicial para o tratamento do superendividamento (00:01:26). A utilização dos CEJUSC para a fase inicial conciliatória surgiu como uma possibilidade diante da expansão desses centros (00:02:42). Vias de Tratamento do Superendividamento: O Dr. Leonardo de Medeiros Garcia esclareceu que existem três caminhos de tratamento para o superendividamento no Brasil: duas possibilidades pelo artigo 104A (pré-processual ou judicial) e uma pelo artigo 104C (extrajudicial) do CDC (00:03:57). O consumidor pode optar pelo tratamento pré-processual no CEJUSC, mas não é uma exigência, podendo também ajuizar diretamente uma ação de repactuação (00:05:10). A fase inicial pode ser tanto processual quanto pré-processual, e o fato do CNJ considerar o tratamento bifásico não impede que a primeira fase seja judicial (00:06:22). Tutela de Urgência e o Procedimento de Repactuação: O Dr. Leonardo de Medeiros Garcia criticou o indeferimento de liminares sob o argumento de que o momento seria pré-processual, sendo que a análise da ação ocorre de forma processual (00:06:22). Ele defendeu que a intenção da lei era abrir diversas possibilidades, incluindo a via judicial direta, essencial em locais sem estrutura para o pré-processual, sob pena de ferir o acesso à justiça (00:07:36). A liminar é fundamental para a finalidade da norma, que é resgatar a dignidade do consumidor (00:08:54). Se os requisitos do artigo 300 do CPC estiverem presentes, a tutela deve ser concedida em ações de repactuação para o bem do consumidor e do processo (00:10:10). Dificuldades de Conexão e a Visão da Defensoria Pública do Ceará: A Dra. Amélia Soares da Rocha, representando a Brasilcon - Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, iniciou sua fala sobre a importância do momento e a situação de endividamento de milhões de brasileiros, muitos deles idosos. Ela destacou que a lei do superendividamento visa a repactuação de dívidas que comprometem o mínimo existencial, sem discutir a legalidade das cláusulas contratuais (00:13:13). O Sistema Bifásico e a Urgência da Tutela: A Dra. Amélia Soares da Rocha mencionou o sistema bifásico de repactuação (consensual ou compulsório) e a ação de superendividamento. Ela ressaltou a importância de estabelecer essa premissa, pois a demora na audiência de conciliação pode agravar a situação de quem já não suporta o comprometimento do mínimo existencial (00:15:08). Devido às interrupções no áudio da Dra. Amélia, o Dr. Rodrigo sugeriu que outra pessoa se manifestasse e que ela tentasse reconectar (00:16:33). A Posição do Banco Master sobre Tutela de Urgência: A Dra. Gabriela Fialho Duarte, representando o Banco Master, defendeu que a audiência de conciliação é uma etapa obrigatória e inafastável no procedimento especial de repactuação. Ela argumentou que permitir liminares antes dessa audiência, especialmente a liberação unilateral e antecipada de margem consignável, configuraria uma grave distorção do rito legal e geraria riscos sistêmicos (00:18:35). Tais decisões poderiam deflagrar um novo ciclo de superendividamento em massa, pois a liberação imediata de margens poderia ser rapidamente consumida em novas contratações sem orientação. O Banco Master propôs a tese de que é vedada a concessão de tutela provisória antes da audiência de conciliação em ações de repactuação fundadas na lei de superendividamento (00:20:20). A Perspectiva da FEBRABAN sobre o Superendividamento: O Dr. Adisson Taveira Rocha Leal, representando a FEBRABAN, agradeceu a oportunidade de participar do debate sobre o superendividamento, um tema caro ao sistema de justiça (00:21:43). Ele destacou o crescimento da bancarização no Brasil e a importância do acesso ao crédito como fator de desenvolvimento social (00:23:32). A FEBRABAN não vê a inclusão financeira como negativa, mas reconhece que o aumento da oferta de crédito traz consigo o superendividamento como um efeito colateral. A Lei do Superendividamento (Lei 14.181/2021) incluiu um fluxo de repactuação de dívidas a partir do artigo 104A do CDC, com o chamamento dos credores para a audiência de conciliação (00:25:08). Argumentos Contra a Tutela de Urgência Prévia na Visão da FEBRABAN: O Dr. Adisson Taveira Rocha Leal argumentou que não é possível conceder liminar de suspensão de exigibilidade dos créditos antes da audiência global de conciliação. Ele explicou que o legislador definiu as etapas do fluxo de repactuação, e a suspensão da exigibilidade dos créditos foi colocada como uma sanção ao credor que não comparece injustificadamente à audiência (00:26:43). Antecipar esses efeitos seria uma inversão do fluxo legal e uma subversão do rito definido no CDC. O procedimento de repactuação é um microssistema processual completo, não havendo lacunas que justifiquem a aplicação supletiva do artigo 300 do CPC. A antecipação da sanção desestimularia a conciliação, que pressupõe um ambiente colaborativo (00:28:13). O CNJ classifica a primeira fase como extrajudicial, reforçando a ideia de que não se admite liminar nessa etapa (00:29:53). Alternativas para o Consumidor em Situações Urgentes Segundo a FEBRABAN: O Dr. Adisson Taveira Rocha Leal afirmou que o consumidor pode requerer liminar, mas não dentro da ação de repactuação de dívidas no superendividamento (00:29:53). Ele defendeu que não se pode querer o melhor dos dois mundos, misturando o regime geral de tutela de urgência com o procedimento específico de repactuação. Em relação à demora na audiência global, ele apresentou um levantamento no TJRR com um tempo mediano de 83 dias (00:31:24). Ele concluiu reiterando a impossibilidade de concessão de liminar antes da audiência, para não comprometer o mercado de crédito (00:32:45). A Posição do Banco Daycoval Contra a Tutela Antecipada: A Dra. Larissa de Oliveira Andrade, representando o Banco Daycoval, também se posicionou contra a concessão de tutela antes da audiência de conciliação. Ela explicou que o procedimento de repactuação é bifásico (conciliatória e judicial), sendo a primeira fase pré ou parajudicial, conforme a cartilha do CNJ. O processo propriamente dito só seria instaurado após o pedido do consumidor e em caso de insucesso na conciliação, conforme o artigo 104B do CDC (00:34:05). Antes da audiência, não há obrigatoriedade de apresentação de documentos para a análise sumária. A lei é orientada ao pagamento e não à suspensão do débito (00:35:45). Argumentos do Banco Daycoval Sobre Omissão Proposital e Litigância Abusiva: A Dra. Larissa de Oliveira Andrade argumentou que a ausência de previsão de tutela antes da audiência não é uma lacuna, mas uma omissão proposital do legislador, que previu medidas para o credor ausente na audiência no artigo 104A, parágrafo 2º do CDC (00:35:45). A concessão de tutela antecipada favoreceria a litigância abusiva, com advogados prometendo suspensão indiscriminada de débitos. Muitas ações se baseiam em extrapolação de margem consignável em débitos não abrangidos pela lei, sem comprovação do comprometimento do mínimo existencial. A Dra. Larissa questionou qual seria a tutela no caso concreto, se a lei prevê o pagamento e há procedimento específico para limitar a margem consignável, restando a suspensão indiscriminada dos débitos (00:37:15). Riscos Sociais e Financeiros da Tutela Antecipada Segundo o Banco Daycoval: A Dra. Larissa de Oliveira Andrade alertou que a concessão de tutela antes da audiência pode agravar o superendividamento, pois a suspensão do contrato até o final da ação, com posterior improcedência, levaria à cobrança com juros e encargos, podendo tornar superendividado quem não era. Em casos de débitos consignados, a exclusão e posterior revogação da tutela dificultariam a recuperação do crédito, com prejuízo ao consumidor (00:38:59). Ela mencionou a confusão entre margem consignável e superendividamento, observando que muitas pessoas com alta renda disponível buscam ações de superendividamento. Débitos supérfluos e garantidos por alienação fiduciária têm sido incluídos sem comprovação (00:40:37). Síntese dos Argumentos do Banco Daycoval Contra a Tutela Antecipada: A Dra. Larissa de Oliveira Andrade resumiu os aspectos negativos da concessão de tutela antes da audiência: suspensão indiscriminada de débitos, estímulo à má-fé do consumidor, desestímulo à conciliação, abarrotamento do judiciário e insegurança jurídica (00:42:11). Ela mencionou decisões de outros tribunais no mesmo sentido e ponderou sobre os enunciados do Fonamec, que têm caráter de orientação e não podem se sobrepor à legislação, que não possui lacuna nesse ponto (00:43:28). A Visão da Defensoria Pública de Roraima em Favor da Tutela Antecipada: O Dr. Wagner Silva Santos, representando a Defensoria Pública de Roraima, parabenizou o TJRR pela iniciativa de debater o tema. Ele destacou que outras defensorias do Brasil veem a possibilidade de fixação de um precedente importante (00:44:37). A Defensoria atua como custos vulnerabilis, guardiã do superendividado, que muitas vezes não tem o mínimo para sobreviver devido à oferta predatória de crédito (00:46:06). A discussão é sobre a possibilidade da tutela de urgência, que não se restringe à suspensão do crédito, mas pode incluir medidas como impedir a interrupção de serviços básicos (00:47:39). Analogia com a Lei de Recuperação e Falência e a Demora na Conciliação: O Dr. Wagner Silva Santos comparou a situação com a Lei de Recuperação e Falência, que permite tutela de urgência para suspender créditos durante a discussão preliminar conciliatória. Ele questionou se seria mais benéfico à pessoa jurídica em recuperação do que à pessoa física sem condições de se alimentar. A concessão de tutela nessa fase não seria um empecilho à conciliação, mas garantiria ao consumidor vulnerável chegar à audiência com o mínimo existencial assegurado (00:49:05). Ele mencionou o dado trazido pelo colega, onde registra uma demora de cerca de 83 dias para a audiência de conciliação no TJRR, tempo considerado excessivo para quem já tem o mínimo existencial comprometido. A tutela de urgência do CPC é compatível com a situação, havendo fumus boni iuris (superendividamento demonstrado) e periculum in mora (comprometimento do mínimo existencial), com possibilidade de reversibilidade das medidas (00:50:52). Responsabilidade dos Fornecedores de Crédito e a Posição da Defensoria: O Dr. Wagner Silva Santos rebateu o argumento de que a tutela antecipada incentivaria o endividamento, lembrando que o consumidor é a parte mais frágil. Ele atribuiu aos fornecedores de crédito a responsabilidade de verificar a saúde financeira dos consumidores antes de ofertar crédito, prática nem sempre observada (00:52:21). A Defensoria Pública, não só do estado de Roraima, mas do Brasil, reitera a possibilidade de tutela de urgência na fase da audiência conciliatória, sem incompatibilidade legal, e como tratamento menos benéfico à pessoa jurídica do que à física (00:54:35). Reafirmação da Brasilcon sobre o Propósito da Lei e a Tutela de Urgência: A Dra. Amélia Soares da Rocha, da DPE-CE, retomou a palavra, esclarecendo que a sanção do artigo 104A do CDC (suspensão da inexigibilidade) é um incentivo ao dever de repactuação e não se confunde com tutela de urgência (00:55:45). A grande novidade da lei é o dever de repactuação para quem está em superendividamento, estabelecendo um procedimento bifásico. A sanção do 104A visa estimular a solidariedade dos credores na construção coletiva da repactuação (00:56:54). Mínimo Existencial, Boa-Fé e a Realidade do Superendividamento: A Dra. Amélia Soares da Rocha questionou a constitucionalidade do decreto que estabelece o mínimo existencial em R$ 600, mencionando decisões de inaplicabilidade por inconstitucionalidade (00:56:54). Ela enfatizou que a tutela de urgência é uma exceção justificada em situações específicas. Proibir a tutela de urgência em ações de superendividamento seria presumir má-fé e ignorar que a dívida pode levar a situações extremas, incluindo atentados contra a própria vida ou a falta de condições mínimas de vida digna, especialmente para quem tem dependentes. O processo é um meio para garantir um direito, e em casos de pessoas com 90% da renda comprometida, a urgência se justifica (00:58:14). Tutela de Urgência no Superendividamento: A Dra. Amélia Soares da Rocha discutiu a importância da tutela de urgência em casos de superendividamento, ressaltando que ela deve ser analisada com cuidado para evitar uso indevido. Foi enfatizado que a proibição da tutela de urgência seria como fechar a porta de um hospital a quem necessita urgentemente de ajuda (00:59:26). Sessões TJRR argumentou que, em situações de superendividamento com comprometimento da renda mínima, a concessão da tutela é um dever legal, amparado tanto pelo CPC quanto pelo CDC (01:00:51). Natureza e Alcance da Lei de Superendividamento: A Dra. Amélia Soares da Rocha esclareceu que a Lei 14.181/21 atualizou o CDC e seus institutos continuam vigentes, não havendo vedação expressa à tutela de urgência. A lei busca a preservação da vida e a exclusão social do consumidor. Dra. Amélia, citou jurisprudências favoráveis à concessão de tutela de urgência em casos de superendividamento, reforçando a necessidade de análise cuidadosa do caso concreto (01:01:55). Finalizou agradecendo e clamando para que, em favor da vida, porque dívida mata e existem várias situações de pessoas que precisam dessa tutela de urgência, que se entenda que não há nada no Código de Defesa do Consumidor que vete a tutela de urgência (01:04:34). Visão da Advocacia sobre o Superendividamento: Dr. Waldecir Caldas, advogado, compartilhou a experiência prática com casos de superendividamento em Roraima, destacando que a questão vai além do jurídico, sendo também de saúde pública. Ele mencionou a importância de garantir o mínimo existencial e a responsabilidade dos bancos no crédito responsável, observando uma banalização na concessão de crédito (01:05:48). Dr. Waldecir Caldas relatou dificuldades no atendimento pré-processual via CEJUSC devido à falta de estrutura, mas reforçou que o acesso direto ao judiciário para análise da tutela de urgência é um direito (01:08:42). Dr. Waldecir Caldas parabenizou o TJRR pela audiência pública e pela oportunidade de debate. Considerações Finais da Audiência Pública: O presidente da sessão agradeceu a presença e as valiosas contribuições para a elucidação da matéria e o julgamento do IRDR. Foi informado que a ata com o resumo da audiência será publicada (01:11:31). Nada mais havendo a tratar, encerrou-se a sessão às 10h30. Do que para constar, a presente ata foi lavrada e subscrita por mim, Márley da Silva Ferreira, Diretor da Secretaria do Tribunal Pleno e Câmaras Reunidas.